quinta-feira, 19 de abril de 2012

Por vezes, a Europa colonizou pedaços da China. Agora, é a China que está a colonizar pedaços da Europa. Informalmente, é claro, e de uma forma muito mais bem-educada do que nós o fizemos. O crescimento da China tanto ilumina como explora o relativo declínio da Europa. Durante a sua visita à Europa, o primeiro-ministro Wen Jiabao vai visitar a Alemanha, o Reino Unido e a Hungria. Porquê a Hungria? Porque, por um lado, tem atualmente a presidência rotativa da UE mas, também, porque a China ali tem grandes investimentos e quer ter ainda mais – como acontece um pouco por todo o lado no sul e no sudeste da Europa. Um estudo recente do Conselho Europeu de Relações Externas (ECFR) estima que 40% do investimento chinês na UE está em Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Europa de Leste. Porquê tanta atenção à periferia? Bom, porque há investimentos prometedores a serem feitos lá e porque estas pequenas e periféricas economias são a porta de entrada mais fácil para um mercado único europeu de 500 milhões de consumidores. O mercado da UE está muito mais aberto aos chineses do que o chinês está aberto aos europeus. Investir muito nestes países também traz recompensas políticas. Não é excesso de cinismo ver Pequim construir uma espécie de lobby da China dentro das estruturas de tomada de decisão, onde o Estado mais pequeno é, pelo menos teoricamente, exatamente igual ao maior. Com a maior reserva de divisas do mundo – cerca de três biliões de euros, atualmente – a China pode comprar metade dos bens públicos gregos a privatizar, de uma só vez. A Grécia deverá ter cuidado com estes presentes chineses? Bem, quem pede não escolhe. Como disse, com uma delicadeza requintada, um geoestratega chinês a um dos autores do relatório do ECFR: “Vocês precisam do nosso dinheiro”. Acreditar no comércio livre Não devemos ser excessivamente paranoicos sobre este assunto. Se acreditamos no comércio livre e nos mercados, temos de praticar o que defendemos. No entanto, não há dúvida de que o poder económico chinês está a crescer na Europa – e a traduzir-se em influência política. Alguns dos vizinhos asiáticos da China sofreram muito mais com o crescimento da China. Enquanto alguns, na Europa, ainda sonham com um mundo pós-moderno de soberania partilhada, em que a UE seria um modelo de governo global, a geopolítica da Ásia está cada vez mais parecida com a da Europa do século XIX – em vez de se assemelhar à do fim do século XX. Incansáveis poderes soberanos lutam pela supremacia, constroem navios e armas, disputam o controlo de territórios (como é o caso de Caxemira) e do mar. Os interesses e as paixões nacionais são um trunfo para a interdependência económica. Para além das dimensões económica e militar do poder emergente da China, há ainda uma terceira dimensão: política, cultural ou de “suave” poder. Yan Xuetong, um dos principais autores chineses sobre relações internacionais, acaba de lançar um fascinante novo livro intitulado “Antigo Pensamento Chinês, Moderno Poder Chinês”. Explora os ensinamentos do pensamento político na era pré-Qin – isto é, anterior a 221 AC – no papel que a China hoje tem no mundo. Yan defende que há duas ideias antagónicas sobre o poder do Estado nesses antigos pensadores chineses: hegemonia ou aquilo a que chamam “autoridade humana”. Com a “autoridade humana”, a sabedoria, a virtude e a bondade dos governantes não só satisfazem o seu próprio povo como atraem outros povos, espalhando assim o seu modo de agir além das suas próprias fronteiras. Apesar de não parecer completamente adverso à mera hegemonia, Yan defende que a China deve aspirar a este género de poder mais ambicioso – “renovando constantemente o sistema político”, entre outras coisas. Apesar das suas palavras serem um pouco elípticas neste aspeto, também sugere que “a China deve fazer do princípio moral da democracia um dos princípios que promove”. Há que dizer que a China de 2011 está muito longe desta “autoridade humana”. Começando pelo grande reformador Deng Xiaoping, pode moralmente reclamar que tirou milhares de pessoas da pobreza. Aos olhos dos países em vias de desenvolvimento, este modelo de capitalismo de Estado é um desafio ideológico ao modelo, agora em crise, do capitalismo liberal de mercado livre. O homem que está a chegar à Europa, Wen Jiabao, tem um outro pensamento, verdadeiramente atraente, notavelmente aberto a debater as críticas estrangeiras e é muito popular, no seu país, entre a muito crítica juventude chinesa. Mas, nos últimos anos, um Partido Comunista nervoso, a caminho da transição de liderança de 2012, voltou-se para uma fórmula que nada tem de humana – do tratamento dado às minorias étnicas do país à prisão do artista Ai Weiwei. A sua reação ao espetro da Primavera Árabe foi mais ansiosa do que a maior parte dos observadores achou possível. Nenhuma das três faces do poder chinês – económica, militar e política – pode ser separada das outras. Tudo está a mudar. É desejável o género de compromisso crítico que tanto David Cameron como Angela Merkel esperam ter com o admirável senhor Wen. A dura verdade, no entanto, é que a influência externa no desenvolvimento destas superpotências emergente será sempre limitada. Por isso, precisamos de por a nossa casa em ordem, vigiá-la de perto, e ter esperança.

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